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22 de Abr de 2024
Vinte anos de Acampamento Terra Livre e a Urgência da Ação
Carta dos Povos Indigenas do Brasil aos Tres Poderes do Estado Acampamento Terra Livre, Brasilia, 22 de abril de 2024
Ao marcar os vinte anos de luta e resistencia do Acampamento Terra Livre, a maior manifestaça~o indigena do Brasil, redigimos esta carta no contexto de um momento crucial para os povos indigenas do Brasil. Apesar da recente mudança de governo, as ameaças aos nossos territorios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na historia, evidenciando a continua emergencia indigena. Seguimos afirmando a URGENCIA para as demarcações de nossas Terras! Presidente Lula, na~o queremos viver em fazendas! A proposta feita de comprar terras para assentar nossos povos afronta o direito originário de ocupaça~o tradicional assegurado pela Constituiça~o Federal de 1988. Já estamos no segundo ano de Governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, segue "mandando" sobre as homologações de Terras Indigenas e na~o podemos itir esta situaça~o.
Em recente declaraça~o do presidente Lula, foi mencionado que os governadores precisam de "um tempo" para negociar sobre as demarcações de terras indigenas. Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indigenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável. Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos politicos, nossas terras e territorios continuam sob ameaça, nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivencia. Na~o podemos simplesmente dar um tempo enquanto nossos direitos fundamentais esta~o sendo negligenciados. O tempo que queremos é o tempo de aça~o imediata, onde cada segundo conta para honrarmos nossa ancestralidade e para proteger o futuro de nossas gerações e da humanidade.
Basta de genocidio legislado! Nossos direitos na~o podem ser negociados e ninguém tira os Direitos Indigenas da Constituiça~o! A entrada em vigor da Lei no 14.701/2023 é o maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratizaça~o e resulta no derramamento de sangue indigena em todo o pais. O assassinato da Pajé Nega Pataxo Ha~-Ha~-Ha~e pelo atentado de milicianos contra a retomada do territorio Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, é exemplo disso. A nova lei proporciona a "legalizaça~o" de crimes e premia os invasores dos territorios. Apenas no primeiro mes da Lei no 14.701/2023, a expansa~o do agronegocio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram 09 assassinatos de indigenas e 23 conflitos em territorios localizados em 07 estados e 05 biomas. A bancada do boi e da bala atenta contra nossas vidas e territorios e quer tirar os direitos indigenas da Constituiça~o, mas o STF reafirmou que nossos direitos originários na~o podem sofrer retrocessos.
Enquanto eles querem ar a boiada, nos aldeamos o Estado! Depois de muita luta e articulaça~o da Campanha Indigena, elegemos a Bancada do Cocar no Congresso Nacional e ocupamos pela primeira vez cargos de alto escala~o no Governo Federal e em Governos Estaduais. Mas, para seguir ocupando espaços de poder, precisamos da regulamentaça~o das ações afirmativas para enfrentar o racismo institucional. Dessa forma, reconhecemos os esforços do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça em garantir reserva de fundos e de propaganda eleitoral para candidaturas indigenas e de pelo menos 3% das vagas para indigenas em concursos publicos para a Magistratura. Contudo, precisamos que os 3 Poderes se comprometam com a regulamentaça~o imediata e com a ampliaça~o de cotas para pessoas indigenas em todos os concursos publicos.
Alguns veiculos de comunicaça~o tem dito que o ATL excluiu a presença de Lula na mobilizaça~o, mas na verdade quem está sendo excluido sa~o os povos que na~o tem tido suas Terras demarcadas. Na iminencia da Amazonia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais na~o forem compreendidos como a principal soluça~o para a emergencia climática.
Diante desta realidade inegável, esta carta, endereçada aos tres poderes do Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário -, carrega as exigencias e urgencias do nosso movimento. Nos da Articulaça~o dos Povos Indigenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base (Articulaça~o dos Povos e Organizações Indigenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), a Articulaça~o dos Povos Indigenas da Regia~o Sul (Arpinsul), a Articulaça~o dos Povos Indigenas da Regia~o Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissa~o Guarani Yvyrupa, a Coordenaça~o das Organizações Indigenas da Amazonia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena) buscamos medidas efetivas que assegurem a proteça~o e o fortalecimento dos direitos indigenas, alinhadas com a dignidade e a justiça historicamente reivindicadas por nossos povos.
Ao Poder Executivo
1. Demarcaça~o imediata das Terras Indigenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indigenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatorio do Governo de Transiça~o.
2. Finalizaça~o do processo de demarcaça~o das 23 Terras Indigenas cujos processos istrativos de demarcaça~o aguardam apenas a portaria declaratoria, e que esta~o na relaça~o enviada pelo Ministério dos Povos Indigenas ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.
3. Determinaça~o politica e dotaça~o orçamentária para o prosseguimento da demarcaça~o, homologaça~o, proteça~o e garantia da posse plena e permanente de TODAS as Terras Indigenas existentes em todas as regiões e biomas do Brasil: Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga, Mata Atlantica e Amazonia.
4. Fortalecimento do Ministério dos Povos Indigenas, FUNAI e Sesai com dotaça~o orçamentária robusta e compativel com os desafios de fortalecer as politicas e ações voltadas para os povos indigenas.
5. Maior empenho do Governo Federal para interromper a agenda anti-indigena no Congresso Nacional, com compromisso concreto da Casa Civil e do Ministério de Relações Institucionais e das lideranças do Governo no Parlamento, no Senado e na Camara dos Deputados.
6. Garantir o fortalecimento do Subsistema da Saude Indigena por meio da Sesai e impedir a municipalizaça~o das politicas e ações voltadas para os povos indigenas na área da saude. Garantir, no ambito de quaisquer politicas publicas de saude, o Controle Social para a Saude Indigena, com a participaça~o efetiva dos Conselhos Locais, Distritais, Forum de Presidentes dos Condsi's e do movimento indigena.
7. Criar a Secretaria Especifica para a Educaça~o Escolar Indigena, no ambito do Ministério da Educaça~o, para a gerir as politicas publicas voltadas para os povos indigenas e articular um Sistema Proprio, composto por equipes formadas por indigenas e especialistas, assegurando recursos financeiros especificos para implantaça~o e funcionamento do Sistema, valorizaça~o dos profissionais e formaça~o continuada.
8. Introduzir o Ensino Médio e Técnico Profissionalizante nas escolas indigenas, proporcionando uma formaça~o mais abrangente e alinhada com os projetos societários dos povos indigenas. Bem como garantir o o e a permanencia de estudantes indigenas ao ensino superior e à pos-graduaça~o, com inclusa~o dos saberes tradicionais e linguas indigenas nos planos politico-pedagogicos.
9. Assegurar a autoaplicabilidade da Convença~o 169 da Organizaça~o Internacional Do Trabalho (OIT), no tocante ao direito de consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas istrativas e legislativas que nos afetem, tais como a instalaça~o de empreendimentos nos nossos territorios, que nos exclui da fase de planejamento, monitoramento e avaliaça~o, e politicas diversas decorrentes na nova economia verde. E fundamental que o governo respeite os protocolos comunitários produzidos coletivamente pelos nossos povos
10. Garantir a implementaça~o efetiva dos espaços institucionais de participaça~o e do controle social, respeitando a autonomia dos nossos povos e das suas instancias legitimas de representatividade.
11. Instituir uma Politica de segurança e proteça~o territorial especifica que priorize a repressa~o e eliminaça~o rigorosa de todo tipo de organizações criminosas que acirram conflitos e a violencia contra os nossos povos e territorios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças.
12. Reestruturar de forma efetiva o Programa de Proteça~o aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), de modo que haja adequaça~o orçamentária necessária, seja considerada a especificidade das lideranças indigenas ameaçadas, seja dada atença~o por parte do Governo Federal aos problemas politicos nas relações com estados federados e orga~os de segurança publica para a implantaça~o de medidas protetivas e se consiga estabelecer um diálogo pedagogico com o Sistema de Justiça para sensibilizar e instrumentalizar os operadores do Direito a respeito da pauta dos defensores e defensoras de Direitos Humanos.
13. Financiar os Planos de Gesta~o Territorial e Ambiental das Terras Indigenas como alternativa comunitária de conter o avanço da mineraça~o industrial e do garimpo em terras indigenas.
14. Implementar medidas para eliminar os impactos da cadeia de produça~o e exportaça~o de commodities nos territorios indigenas, incluindo a adoça~o de um sistema nacional de rastreabilidade e o endosso a regulações internacionais que busquem promover a cadeias produtivas livres de desmatamento e de violações de direitos. Além disso, refutar acordos bilaterais ou multilaterais que promovam a expansa~o da fronteira agricola, como o Acordo de Livre Comércio Mercosul - Unia~o Europeia.
15. Fomentar a sustentabilidade economica dos nossos territorios, estimulando e financiando as multiplas formas de produça~o indigena. Uma forma eficaz de promover a proteça~o territorial contra os arrendamentos, a agricultura extensiva que utiliza agrotoxicos e as invasões de grileiros, madeireiros e diversas organizações criminosas. Precisamos gerar renda e valorizar os conhecimentos ancestrais de nossos povos que vivem em equilibrio com o meio ambiente há gerações.
16. Criar politicas publicas especificas para mulheres, jovens e pessoas indigenas em contexto urbano, com a finalidade de enfrentar as vulnerabilidades vivenciadas, considerando as diversidades e a organizaça~o social de cada povo.
17. Impulsionar a descarbonizaça~o da matriz energética brasileira, com incentivo às energias renováveis que previnam e reparem danos socioambientais, com o devido respeito aos direitos dos povos indigenas e comunidades tradicionais, de modo a proteger nossos modos de vida, tradicionalidades e biodiversidades da produça~o em larga escala de energia. A produça~o de energia limpa deve, portanto, incluir entre as salvaguardas o controle publico do uso da terra, a obrigatoriedade de realizaça~o da consulta prévia, do EIA/RIMA, o monitoramento dos empreendimentos e a reparaça~o integral dos danos causados.
18. Consolidaça~o da experiencia do Comite de Desintrusa~o, derivado das conquistas judiciais do movimento indigena na ADPF 709, em politica publica de Estado, que regulamente e preveja orçamento para a desintrusa~o de todas as terras indigenas invadidas.
19. Esforço interministerial para a implementaça~o da Convença~o de Minamata no Brasil, garantidos os espaços para a efetiva participaça~o indigena neste processo e o compromisso do Poder Publico com a apresentaça~o de medidas e respectivo orçamento para a recuperaça~o dos territorios indigenas contaminados pelo mercurio utilizado no garimpo ilegal.
Ao Poder Legislativo
20. Retirada de tramitaça~o e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituiça~o que desconstitucionalizam os direitos indigenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024, tendo em vista que os direitos indigenas sa~o cláusulas pétreas e na~o podem sofrer retrocessos mesmo na forma de propostas de emenda à Constituiça~o Federal.
21. Interromper o genocidio legislado e aprovar projetos de lei que garantam direitos aos povos indigenas, tornando a PNGATI uma politica de Estado (PL 4347/2021), reconhecendo os Agentes Indigenas de Saude e Agentes Indigenas de Saneamento no Subsistema de Atença~o à Saude Indigena (PL 3514/2019), viabilizando medidas de enfrentamento às violencias contra as mulheres indigenas (PL 4381/2023) e garantindo cotas para pessoas indigenas em concursos publicos federais, estaduais e municipais (PL 4386/2019, PL 5.476/2020 e PL 1.958/2021).
22. Ratificaça~o do Acordo de Escazu pelo Estado brasileiro, para comprometer o Brasil internacionalmente com a defesa do meio ambiente e de seus defensores e aumentar a transparencia e a participaça~o social na tomada de decisões ambientais e climáticas.
Ao Poder Judiciário
23. Declaraça~o imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF para conter as violencias contra os povos indigenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicaça~o da tese do Marco Temporal, em consonancia com a decisa~o do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.
24. Regulamentaça~o já da Consulta em que o TSE reconheceu o direito de candidaturas indigenas à reserva de fundos e de propaganda partidária, para impulsionar o aldeamento da politica institucional a partir das eleições municipais de 2024, ampliando a bancada do cocar nos Poderes Legislativo e Executivo. Além da autodeclaraça~o das candidaturas indigenas, o movimento indigena reivindica que haja a declaraça~o de lideranças indigenas que atestem o pertencimento étnico da pessoa candidata segundo os usos, costumes e tradições de cada povo.
25. Garantir o o à justiça dos povos indigenas, por meio da obrigatoriedade de atuaça~o de intérpretes da linguas maternas e da elaboraça~o de laudo antropologico que leve em conta o entendimento da comunidade indigena sobre a conduta tipica imputada pela justiça criminal e observe nossos mecanismos proprios de julgamento e puniça~o.
SEM DEMARCAÇA~O NA~O HA DEMOCRACIA! DIGA AO POVO QUE AVANCE!
NOSSO MARCO E ANCESTRAL SEMPRE ESTAREMOS AQUI!
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